segunda-feira, 29 de agosto de 2011

O Bonde


“Autor: Guilhermina Florisbella Carneiro, viúva, moradora da Travessa das Partilhas, 7. Move a ação contra a Companhia Cantareira e Viação Fluminense, que vitimou seu filho (Henoc Soares Carneiro, 16 anos). Seu filho era empregado do comércio e no dia do acidente andava pela calçada, o Bonde desceu em alta velocidade. Ela alega responsabilidade da Companhia de transportes primeiro pela imprudência e imperícia do condutor, além das condições do Bonde de não Ter freios eficientes. Alega ainda o dano moral conseqüente a dor pela perda do seu filho, sendo ela viúva pobre, privada dos meios indispensáveis a vida e em extrema miséria, sendo seu filho a sua única esperança.
Estão anexados no processo vários jornais que noticiaram a tragédia, além de outras notícias de mortes de pessoas pelo mesmo motivo. A imprensa lançou um grande debate sobre as condições do Bonde e sobre o fato de até então nada Ter sido feito para evitar mais acidentes. Processo julgado perempto por não pagamento da taxa judiciária em  13/06/1931.”
            O trecho citado acima trata-se de fragmentos de um processo civil do início do século XX. Foi parte de um trabalho de pesquisa realizado por mim há alguns anos atrás. Resgatei este trabalho por causa da tragédia ocorrida no final último final de semana. A dor da perda na tragédia, os problemas de manutenção de bondes e o descaso dos responsáveis parecem ser os mesmos.
            Fico refletindo sobre a falta de empatia das autoridades que fecham os olhos para tantos problemas de nossa cidade. E a cada dia mais pessoas morrem vítimas do descaso de autoridades eleitas pelo nosso voto, pelo ato mais democrático de uma sociedade. Foi pelo nosso voto que colocamos lá estes prefeitos, governadores, vereadores, deputados...enfim, toda esta gente que só pensa em si. Que confunde o público com o privado, que pensa em manobras políticas visando o enriquecimento ilícito.
            Há anos se reivindicavam obras, manutenções para os nossos bondes de Santa Tereza. Mas nada foi feito. Não existe comprometimento. Gasta-se dinheiro com obras faraônicas, num Maracanã superfaturado para Olimpíadas, Copa do Mundo e se faz pouco caso para manutenções simples de um patrimônio da cidade.
            Patrimônio??? Estas autoridades não valorizam o patrimônio histórico de nossa cidade, que diferença faz um bonde que conta a história de um bairro, de uma cidade? Que diferença faz uma sacada de um prédio do início do século XX em péssimo estado de conservação? De um monumento posto numa praça pública pichado? De um cinema de rua antigo vendido?
            É triste que cada vez mais as pessoas desvalorizem ou não reconheçam o valor de um patrimônio histórico, se valoriza o moderno, o novo, o futurista.  Constroem em praças públicas monumentos modernos caros, mas não investem nenhum dinheiro para recuperar fachadas antigas, fecham cinemas de ruas para no lugar construir uma sala de convenções para empresários e entre tantas coisas que me entristece como historiadora, como amante do antigo, do clássico, do nostálgico, do tempo em que as pessoas eram mais felizes.
            Quantas vezes eu subi as ladeiras de Santa Tereza num bondinho, junto de amigos, admirando a paisagem e fascinada com aquele lugar que me remete há um tempo que não vivi mas que adoraria ter vivido.. Fiquei pensando que naquela tarde agradável de sábado, as pessoas que estavam no Bondinho de Santa Tereza estavam alegres e felizes, desfrutando da bela paisagem, fotografando o momento...
            Suas vidas foram ceifadas não pela fatalidade, ou dirão alguns, destino. Foram ceifadas pelo descaso do poder público, que mergulhado em corrupções, em apatia, falta de boa vontade, de empatia, fecha os olhos para o problema. Afinal, o final de semana passou, o jornal que noticiava a tragédia na primeira página ficou velho. E servirá de fonte histórica para um pesquisador daqui há 90 ou 100 anos.